Dúvidas sobre o Bushido lhe atormentavam. Para ter paz, precisaria
aprender mais
sobre um dos princípios deste código dos samurais.
O guerreiro precisava aprender sobre compaixão. Ele nunca teria paz se
vivesse
apenas pela coragem e disciplina. A compaixão era um dos valores que
norteavam o
caminho do cavaleiro, o Bushido.
Aquele samurai se perguntava se não teria desviado do caminho ao cortar
cabeças
indefesas e não ajudar inimigos em dificuldades. Teria ele perdido o
poder da
compaixão? Teria ele perdido a honra? Por que sua vida estava um
inferno e como
seria alcançar o céu?
As dúvidas levaram o guerreiro em busca de um local sagrado – na
esperança de
encontrar um mestre que o tirasse de seu inferno e lhe ensinasse o que
era o céu.
Enquanto ia se aproximando do templo zen budista os lavradores se
afastavam
daquele homem. Chegando lá, o samurai exigiu ser levado à presença do
monge
chefe. Este ensinava na cozinha. O homem armado de espada ouviu os
ensinamentos do outro, armado de uma colher. O mestre ensinava os
aprendizes
sobre a importância de transformarem em prática o pensamento zen. A
importância
de praticarem de fato o que quer que fossem ensinar. O mestre zen parou
de falar e
com sua colher remexeu cuidadosamente o cozido de legumes na panela.
Voltou a
falar do aspecto sagrado de cada ação cotidiana, que a prática da
preparação diária
do alimento é a mesma prática do caminho da iluminação.
“Pense que as panelas são você mesmo... Veja que a água é a sua própria
vida...”
E voltou a mexer o cozido, borrifando temperos que ao caírem na panela
exalaram
vapores aromáticos...
Só que o samurai não queria saber de prática de “mestre cuca” coisa
nenhuma! Ele
não queria perder tempo da sua “busca espiritual” com futilidades
diárias como
culinária. Rompeu o silêncio dos vapores:
- Mestre: quero que me ensine sobre a compaixão. Quero que me ensine
sobre o
céu e o inferno.
O monge olhou longamente para o samurai. Reparou em seu calçado
enlameado,
em sua espada embainhada, em sua mente inquieta.
- Você não vai encontrar o que busca. Como posso ensinar a pureza e a
beleza da
compaixão a um homem com a bota, a espada e a mente completamente sujas?
Sua presença deixa este templo feio e sujo. Seria melhor que saísse
daqui agora!
O sangue do samurai se aqueceu mais rápido do que as panelas e em dois
movimentos ele desembainhou a espada e preparou o ataque certeiro que
faria rolar
a cabeça daquele monge que desrespeitava a honra de um cavaleiro que,
por sua
vez, se afundaria ainda mais em seu inferno.
O monge permaneceu parado e quieto, mirando o outro com profundidade.
Com a
espada viajando pelo ar a poucos centímetros do seu pescoço, disse:
- Espere. Agora você já sabe o que é o inferno. Isto é o inferno!
O astuto espadachim fez parar sua katana antes dela atravessar a pele.
Ficou
espantado com a coragem e dedicação do mestre ao ensinar. O monge
colocava
suas palavras e sua própria vida à serviço do outro. Entendeu que a sua
maior
desonra não seria receber um insulto e sim praticar um ato violento.
O desejo de paz invadiu o guerreiro. Uma onda de compaixão o arrebatou.
O monge, enfim, enxergou o olhar iluminado e compassivo do samurai:
- Agora você já sabe o que é compaixão. Isto é o céu.