domingo, 18 de junho de 2023

O Monge e o Samurai


A vida do samurai andava um inferno.

Dúvidas sobre o Bushido lhe atormentavam. Para ter paz, precisaria aprender mais

sobre um dos princípios deste código dos samurais.

O guerreiro precisava aprender sobre compaixão. Ele nunca teria paz se vivesse

apenas pela coragem e disciplina. A compaixão era um dos valores que norteavam o

caminho do cavaleiro, o Bushido.

Aquele samurai se perguntava se não teria desviado do caminho ao cortar cabeças

indefesas e não ajudar inimigos em dificuldades. Teria ele perdido o poder da

compaixão? Teria ele perdido a honra? Por que sua vida estava um inferno e como

seria alcançar o céu?

As dúvidas levaram o guerreiro em busca de um local sagrado – na esperança de

encontrar um mestre que o tirasse de seu inferno e lhe ensinasse o que era o céu.

Enquanto ia se aproximando do templo zen budista os lavradores se afastavam

daquele homem. Chegando lá, o samurai exigiu ser levado à presença do monge

chefe. Este ensinava na cozinha. O homem armado de espada ouviu os

ensinamentos do outro, armado de uma colher. O mestre ensinava os aprendizes

sobre a importância de transformarem em prática o pensamento zen. A importância

de praticarem de fato o que quer que fossem ensinar. O mestre zen parou de falar e

com sua colher remexeu cuidadosamente o cozido de legumes na panela. Voltou a

falar do aspecto sagrado de cada ação cotidiana, que a prática da preparação diária

do alimento é a mesma prática do caminho da iluminação.

“Pense que as panelas são você mesmo... Veja que a água é a sua própria vida...”

E voltou a mexer o cozido, borrifando temperos que ao caírem na panela exalaram

vapores aromáticos...

Só que o samurai não queria saber de prática de “mestre cuca” coisa nenhuma! Ele

não queria perder tempo da sua “busca espiritual” com futilidades diárias como

culinária. Rompeu o silêncio dos vapores:

- Mestre: quero que me ensine sobre a compaixão. Quero que me ensine sobre o

céu e o inferno.

O monge olhou longamente para o samurai. Reparou em seu calçado enlameado,

em sua espada embainhada, em sua mente inquieta.

- Você não vai encontrar o que busca. Como posso ensinar a pureza e a beleza da

compaixão a um homem com a bota, a espada e a mente completamente sujas?

Sua presença deixa este templo feio e sujo. Seria melhor que saísse daqui agora!

O sangue do samurai se aqueceu mais rápido do que as panelas e em dois

movimentos ele desembainhou a espada e preparou o ataque certeiro que faria rolar

a cabeça daquele monge que desrespeitava a honra de um cavaleiro que, por sua

vez, se afundaria ainda mais em seu inferno.

O monge permaneceu parado e quieto, mirando o outro com profundidade. Com a

espada viajando pelo ar a poucos centímetros do seu pescoço, disse:

- Espere. Agora você já sabe o que é o inferno. Isto é o inferno!

O astuto espadachim fez parar sua katana antes dela atravessar a pele. Ficou

espantado com a coragem e dedicação do mestre ao ensinar. O monge colocava

suas palavras e sua própria vida à serviço do outro. Entendeu que a sua maior

desonra não seria receber um insulto e sim praticar um ato violento.

O desejo de paz invadiu o guerreiro. Uma onda de compaixão o arrebatou.

O monge, enfim, enxergou o olhar iluminado e compassivo do samurai:

- Agora você já sabe o que é compaixão. Isto é o céu.